"Bento, de Graça e de Nome"Queridos irmãos,
A igreja celebra no dia de hoje a memória de São Bento, Pai Espiritual de todos os monges e monjas que seguem a regra de vida por ele proposta, e celebra não sua persona e autoridade, nada constituído nele mesmo, mas na graça de Deus, que em sua vida se fez um rio abundante, que corre perene nas veias dos monges, monjas e oblatos espalhados pelo mundo, que dia e noite buscam a Deus, no silêncio e na solidão dos mosteiros.
Bento surge num período conturbado da vida da Igreja, logo no final do Século V, no ano de 480, filho de nobres da região de Núrsia, sai de casa na juventude para ir a Roma, sobre cacos e ruínas, onde vê a sua decadência moral e - infelizmente - religiosa, e movido pela ação do Espírito, parte em busca do retorno a origem divina, busca o alto - literalmente, e vai para as colinas itálicas, recebe por herança a vida eremítica do eremita Romano, e na gruta de Subiaco assenta sua cela. Dali não sairia a não ser para fundar outros mosteiros, quando perceberá que seu modelo de vida era exemplo para outros homens e mulheres, até mesmo para sua própria irmã, Escolástica, que com seu auxílio também fundou comunidades femininas.
Assim, depois de muito fazer pelo Reino de Deus, em pouco tempo antes de sua partida para a pátria celeste, redigiu os 73 capítulos - a princípio, 68, os outros 5 se fizeram necessários nos últimos anos de vida -, de maneira a perpetuar a forma de vida dos seus monges, que futuramente viriam a fundar mais mosteiros pela Europa inteira, criando assim, a primeira grande Ordem de vida consagrada da Igreja Católica.
Esta regra de vida não é algo mirabolante, do contrário, quando a tomamos para leitura, percebemos que a dificuldade que nela se apresenta é, na realidade, a nossa em colocar o Evangelho de Cristo em prática, visto que um homem como nós - no caso, o Abade Bento - exerceu-a em toda a sua vida, com maestria e exatidão, então porque para nós, que já contamos com tantas facilidades, sejam tecnológicas, psicológicas ou sociais, ainda nos é tão caro e difícil moldar a vida segundo a luz da Boa Nova de Jesus?
Bento reúne em sua regra uma metodologia simples, em que nada mais do que isso bastará para que o homem retorne a Deus, em profunda comunhão e ação de Graças com Ele, é a Oração, por vezes aprofundada na Palavra de Deus, o Trabalho, seja em prol do Reino d'Ele ou para edificação da sociedade em que vivemos, e o conhecimento, este que, quando adquirido com soberba, faz que precedamos a uma queda imensurável e horrenda, e completa tudo isto numa máxima "Ut In Omnibus Gloficetur Deus", isto é, Tudo Para a Maior Glória de Deus.
Logo, quando mergulhamos a fundo na vivência da Regra Beneditina, encontramos a essência fundamental do Evangelho, e que é aquilo também que une profundamente as comunidades cristãs, o Amor a Deus, acima de todas as coisas, "Nihil amori Christi praeponere", em absolutamente todo gesto e circunstância da vida, amar ao Senhor Deus, e fazê-lo glorificado por isto.
Os anos passaram, os mosteiros moldam a forma de vida da sociedade, a evangelização cresce e passa as fronteiras do além-mar, chega no Novo Mundo e tantas outras coisas acontecem na história da humanidade, até que chegamos nos dias de hoje, em que o homem não só convive em sociedades reais, como cria sociedades virtuais, através das suas próprias engenhosidades e invenções. Assim, a internet torna-se também, solo propício e fértil para a evangelização, como a América foi no século XV e XVI, e agora os monges tem sua tradição perpetuada digitalmente, assim podemos dizer, por meio de nossa simplíssima comunidade, que reúne-se para estudar e colocar no seu cotidiano a Regra de São Bento, vive como os oblatos de um mosteiro, na companhia de seu cotidiano, ainda que tenham seus trabalhos, estudos, família e amigos, e mesmo assim, tornando o Senhor Deus glorificado acima de tudo isso.
Nosso testemunho, caros irmãos, é essencial para a vida da Igreja, porque tomamos parte, ainda que minúscula, da experiência de tantos homens e mulheres que, decididos com a vida, partiram em busca de corresponder o chamado de Deus, não só o chamado a Ser Santo, mas ao chamado de encontrar com Ele, nas altas montanhas ou serras onde se assentam as celas monásticas, optaram pelo recolhimento do mundo, para unirem-se em "um só coração e uma só alma" com Deus, transformando sua vida em testemunho perene do Evangelho, e luz orante no caminho das trevas da humanidade.
Tomemos consciência disso e, fazendo nossa parte, nunca nos cansemos de buscar a Paz, a verdadeira paz, que vem da profunda experiência com o Cristo, vivida pelos monges e pelo próprio São Bento, que torna-se na vida, combustível para moldar-se sempre mais a vida evangélica, proposta pela Regra, e assim chegar aos cumes da perfeição e das virtudes.
Que este pai, que hoje escolhemos por intercessor, mestre e amigo, nos leve a bom termo para que, um dia, também possamos chamar de Mestre e Senhor o próprio Jesus Cristo, por quem tudo se faz e se dá Glória a Deus Pai.
